quinta-feira, 3 de julho de 2008

Grilhões

Era uma vez um Rei. Sábio como só os Reis sabem ser, ele fazia de tudo visando o bem de seu povo. As crianças em seu reino eram livres, brincando nos bosques, seguras de que ao regressarem, cansadas, a seus lares, estariam lá seus pais, que os fariam dormir, embaladas por palavras de amor.
Era uma vez alguém que achou que esse Rei não era digno de sua majestade e decidiu tirá-lo do seio de seus súditos.
Era uma vez um Rei que foi humilhado e vendido como escravo. Nessa vez, alguém achou que o rei, agora escravo, precisava ser 'civilizado'.
Era uma vez dez punhados de terra que abrigaram um escravo 'civilizado', cujo espírito de monarca jamais dele se evadiu. Esses dez grãos de terra viram pela primeira vez as cores de grilhões, viram pela primeira vez a alma de um humano humilhado.
O que diria hoje, esse Rei, se ele olhasse, incontáveis eras depois, para a terra que bebeu de seu sangue?
Nossa mãe completa agora 33 anos de vida vividos, sem o peso dos grilhões do colono invasor. Quanto pesa isso ainda nos punhos de nosso povo?
Nossa terra está hoje dando seus primeiros passos, engatinha de forma acanhada rumo à sua independência. Mas sempre que continuarmos copiando cada passo de nosso colono estaremos mostrando com que lentidão queremos fazer brilhar sobre nós o sol da liberdade, irradiando em nossas faces o calor da independência.
Todos nós estamos prenhes de idéias, abarrotados de sonhos. Sonhar é preciso. Precisamos sonhar com mais veemência com Cabo Verde. Nossas idéias serão a alavanca que transportará Cabo Verde, com segurança, para os anos da maturidade. Seremos, cada um de nós, a consciência social de nossa terra. Nossos pais esperam isso de nós. Por isso estamos labutando hoje longe de casa, aprendendo como trilhar com confiança o caminho das pedras.
Quando comemorarmos mais um ano de independência de Cabo Verde, meditemos em como estamos retribuindo a nossa terra tudo o que ela nos deu.
Não queremos mais entre nós aqueles que nos espoliam física, material e intelectualmente. Não somos propriedade privada de ninguém. Somos senhores de nosso punhado de nada.
Queremos que aqueles que tomam a dianteira em nos representar sejam dignos disso, que mostrem por que merecem nossa confiança, a confiança de um povo soberano.
Já fizeram de nós a terra da desgraça, onde homens livres perderam a última gota de dignidade que possuiam, arrastados por grilhões, que até hoje mancham de vermelho a consciência de cada um de nós.
Sejamos agora a terra de homens livres, pensantes, que não buscam mais na evasão o acalento para suas almas.
Sejamos dignos de ser há 33 anos LIVRES, para vivermos a nosso jeito, morabezamente, recebendo a todos com respeito, quem sabe não temos dívidas a pagar com os, por nós, chamados Mandjacos, quem sabe um deles não seja filho, neto ou bisneto daquele Rei, quem sabe.
Nossa terra há de saber.
Feliz 5 de Julho!
Aquele abraço!
Eliezer Monteiro - Rio de Janeiro

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