quinta-feira, 10 de julho de 2008

Cavalos, cavaleiros e afins

Quando criança, quem de nós não sonhou em ter um cavalo igual a 'Dola", 'Russin' ou até mesmo o 'Foguete'? Eu sonhava, sonhava muito. Adorava ir ver a corrida de cavalos, odja dola ta bá la, spia la. Até hoje me emociono.
Finais do mês de Abril. Fogo, São Filipe.
No início da tarde já começa o burburinho de pessoas chegando no largo de cruz di passu, oriundas dos mais diversos lugares. A maioria para ver a corrida de cavalos, Russin vai ganhar, que nada, vai ganhar é o Dola, cuidado com Foguete este ano, que o Xóxó o levou para treinar na areia. Mas Dola é sempre Dola, come mancarra com açucar. Eis o diferencial.
Alguns vão de carro para a pista de corridas, improvisado no lugar que antes fora um aeródromo e hoje é um aeroporto (será?). A grande massa de gente vai a pé mesmo, andando todos apressados à procura do melhor lugar, embaixo de um di spin, quem me dera, tomara que eu consiga um lugar com sombra, sonhavam alguns. Eu não estava nem pensando nesses luxos, queria apenas ver os cavalos disputando orelha a orelha cada metro de chão. Sol na cabeça, fome no corpo, garganta seca, salivando apenas quando alguém passava chupando fresquinha ou bebendo laranjada. Só isso me fazia tirar os olhos dos cavalos.
Alguns apostavam dinheiro, cerveja, drops, qualquer coisa, o prazer não advinha do prémio a ser conquistado, apenas do simples facto de ganhar algo. Os mais malandros costumavam apostar com as pessoas que eram principiantes na coisa. Sempre tinha algum safado que estimulava o desavisado a apostar na cabal di Txotxo, que, como sempre, saía igual a uma bala e que, como todos os mais experientes tinham ciência, inexoravelmente se desviava para a rubera. De vez em quando o perdedor descobria a tramóia e apareciam olhos roxos e orelhas vermelhas, geralmente na cara do pilantra que o levara a apostar no cavalo errado.
Depois que começaram a chegar os cavalos de São Vicente para participar das corridas, deixei de achar tudo aquilo engraçado, pois que graça tem ver um cavalo enorme ganhar de uns pangarés quase raquíticos?
Até hoje eu me lembro dessa época, quando os cavalos que nos faziam sonhar eram os que mencionamos no início. Não foi sem razão que fizemos questão de chamá-los por nomes próprios, com letra maiúscula, evidentemente.
Nas ruas brincávamos de corrida de cavalos, arrebentávamos os melhores ramos das árvores para serem nossos "cavalos". Na aguadinha ninguém se atrevia a quebrar galhos, pelo menos desde o dia em que um certo guarda chamado intensionalmente de 'Prancheta' nos mostrou o bico-toro que ele usaria, um na cada mama cadera, como ele fazia questão de nos dizer, caso nos atrevessemos a desrespeitar suas ordens.
Antes de chegarem os cavalos, quem fazia a festa eram os burros, pois na terra de cegos o caolho é rei. Dois eram praticamente stars, o Burro di Txikin e o Djigudjado, este último imortalizado em nossas memórias, desde o dia em que ele cravou os seus potentes dentes no dedo de um menino, acabando por arrancar-lhe a falange distal do polegar, menino esse que ficou até hoje conhecido como Djigudjado, em memória daquele que o mutilou. Quem mandou enfiar a mão na boca de um burro faminto, exatactamente no momento em que ele desqueixava?! 'Dja desquexa', passou a ser algo engraçado a partir dessa data, ao menos para os não mutilados, hehe.
Minha mãe sempre me dizia e me fazia prometer que não tentaria apanhar os doces e drops que os cavaleiros derrubavam na areia, no alto São Pedro, é muito feio meu filho, mas todos apanham mãe, não quero saber e ponto. Ponto sim, até o dia em que o maldito doce caiu a meus pés e tive apenas um trabalho, me abaixar para apanhá-lo, dois trabalhos na verdade, a primeira mencionada já foi e a segunda foi dar um grito ao sentir o chicote do cavaleiro estalando em meu lombo. Como são sábias as mães, pensava eu sentindo a ardência provocada em minha carne, pelo chicote do cavaleiro, de São Vicente, obviamente.
São coisas que aconteciam quando a alegria da garotada era feita por Dola, Foguete, Russin e até Cabal di Txotxo, até o momento em que ele se desviava para rubera.

Aquele abraço!
Eliezer Monteiro - Rio de Janeiro

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