Nos últimos sete anos tenho tentado, em vão, descrever em pensadas palavras como será o dia em que vou voltar aos braços da minha terra, como será a hora em que libertarei minha alma do peso avassalador, a ela imposto pela nostalgia ao longo das estações.
Queria eu que esse dia fosse um dia de chuva, não chuva forte, braba, queria que fosse apenas burrufu, aquela chuva miudinha, tranquila, aquela chuva que abre a madre dos céus e que anima o coração dos homens do campo, os poetas do ferro, enxadas e pás.
Nesse dia hei-de chorar a mais minúscula lágrima que durante esses anos venho guardando em um pote sagrado, pequeno, que vibra à mínima lembrança da terra amada.
Almejo muito poder deitar-me embaixo da minha videira e embaixo da minha figueira e saber que, deveras, não há quem me faça tremer, como predisse o profeta. Quero deitar-me sob o céu estrelado, quero contar as estrelas até vê-las se tornando tímidas sob o frescor da manhã que se avizinha, quero sentir o beijo doce do frio, passando no meu rosto pesado, às custas do tempo longo longe dos afagos da mãe terra, quero sentir sono e fazer questão de não adormecer por completo, ficar nesse estado de embriaguez mental imposto pela sedução irresistível dos atributos daquele pedaço de chão.
Impossível é não sonhar em chegar em casa, nesse dia, que há-de ser chuvoso, burrufu, reforcemos, e sentir o cheiro da chuva, cheiro de paz, cheiro de saudade.
Vou querer muito acordar cedo para ouvir as notícias no rádio de pilhas, velho, com antena de arame amassado, velhas notícias que hão-de encostar em recantos há muito não tocados do meu coração, dizendo em calma voz, Levanta filho, Abre os olhos que voltaste para casa.
Farei questão de dar vida às coisas mais simples, às coisas que foram para o ralo da vida, às coisas que fizeram a felicidade de um punhado grande de crianças, às coisas que realmente são importantes.
Quero me despir desse traje que a vida me obrigou a usar, feito de felicidades efémeras, passageiras, facilmente solúveis. Então usarei os trajes livres de futilidades, vestimentas simplórias, carregadas de significados, repletas de histórias, histórias de amor, de amizade, de felicidade.
Quero fazer poesia com as coisas da minha terra, quero poder usar palavras cheias de coisas por dizer, não apenas vocábulos ocos, vazios, cheios de coisa nenhuma.
Quero usufruir daquela sensação de paz que só existe naquele chão, aquele sentimento de realização, de liberdade, de vida vivida, não apenas sobrevivência.
Até lá vou sonhando, quem sabe não consiga mudar essas tortas linhas que passaram a léguas de ilucidar sobre o que sinto, sobre o que guardo naquele pote pequeno, onde minhas lágrimas por chorar se cumulam, chamado coração.
Aquele abraço.
Eliezer Monteiro - Rio de Janeiro
3 comentários:
Meu caro amigo, que coisa mais linda! LOL! Tocas sensibilidades com esta escrita cheia de emoções fortes, muito pessoal, mas com que muitos se identificam.
Há muito que não tenho podido passar cá para comentar e agora que passo, quase que me fizeste chorar.
Bem, sabes que estou a brincar, mas sabes também que aprecio muito a tua escrita e os temas que escolhes.
Aquele abraço amigo,
FFS
Valeu Felipe. Isso é o que pretendo sempre, alcançar a todos os Filhos do Fogo com as coisas que escrevo que, embora pareçam ser pessoais, alcançam a alma de cada um de nós. Abraço e obrigado pelo comentário.
Bunitu To! Bu sta mostra sen ikivuku ki bu alma sta xeiu di sodadi di nos Djarfogu.Bo e un fidju di verdadi, kel ki Djarfogu nunka ka ta rapende di ter paridu.
Postar um comentário